sábado, 24 de abril de 2021

Nomadland – Uma ode a Liberdade por Chloé Zhao

 

  Somos o que somos por diversas normas, acontecimentos e circunstâncias certo? e se essas circunstâncias te fizessem adotar um estilo de vida totalmente peculiar, incompreendido e rejeitado pela sociedade patriarcal em que vivemos? 

 É exatamente isso o que acontece com a personagem de Frances McDormand em Nomadland. 

Nele acompanhamos a história de Fern, uma mulher viúva por volta de seus 60 anos que perdeu tudo quando a empresa de gesso que residia em sua cidade fecha devido à crise econômica; fazendo com que não só todos os habitantes percam sua principal fonte de renda como também suas casas. Assim Fern acaba colocando tudo o que lhe restava em uma van e sai estrada fora vivendo como nômade, ganhando dinheiro com trabalhos temporários como empacotadora da amazonlimpando chapa de restaurante ou feiras de estrada. 

 
 Em alguns aspectos podemos chamar Nomadland de road movie (filme de estrada), justamente pela jornada dele ir atravessando os Estados Unidos, mostrado suas paisagens, mas de uma forma mais intimista.  

 Porém ele consegue ser um filme de tantas camadas que dizer que ele é só um filme de drama é limitá-lo, e tal ato não lhe faz justiça. Ele é um filme sobre vida, dor, luto, viagem, liberdade, sobre solidão e como transformá-la em solitude, sobre “despertencer”, desapego e principalmente sobre ressignificar o conceito de lar.  

 Nomadland fala sobre pessoas “invisíveis”, sobre silêncio, solidão e contemplação de uma forma hipnótica. 

 O modo como a edição do filme mostra a personagem de Frances pegando a estrada sozinha em meio a paisagens lindas com uma trilha sonora composta basicamente pelo piano e violino nos faz criar uma empatia por ela e pela solidão que a cerca. Também é interessante ver como a fotografia do filme ajuda a criar um ambiente de solidão com as cores, nas cenas em que a personagem de McDormand aparece acompanhada as cores quentes predominam, já quando ela aparece sozinha é possível notar a predominância de cores frias, além de que muitas cenas em que ela se encontra totalmente sozinha são em penhascos, cânions ou na natureza o que transmite a sensação de imensidão. 

 O tom do filme consegue mesclar bem entre a beleza e a hediondez da vida de nômade. Há beleza por conta de todos as pessoas, lugares e coisas incríveis que surgem pelo caminho, mas assim como tudo na vida tem também seu lado ruim como as dificuldades e perigos que vem junto com esse estilo de vida. 
 Para ser o mais realista possível Chloé optou por usar não atores como coadjuvantes, sendo assim a maioria dos personagens secundários como Linda May, Swankie e Bob Wells, interpretam uma versão deles mesmos no filme, o que significa que todas as histórias que contadas no filme são verdadeiras e a forma genuína com que Frances reage quando ouve as histórias, nos faz entender perfeitamente porque muitos deles não tinham a menor ideia de que ela era uma atriz.  

 A preocupação da diretora em mostrar a realidade dos nômades também pode ser notada em detalhes que passariam despercebidos à primeira vista, como a cena em que vemos uma "palestra" sobre qual o melhor balde para usar como privada o de 20 L ou de 26,5 L. 

A delicadeza de Chloé se mostra em cenas simples como uma sequência em que vemos Fern caminhando por entre os trailers no acampamento de nômades em Quartsite, Arizona em um estado de pura contemplação, ali fica claro o quanto ela se sente à vontade ali, o quanto ela sente que pertence a essa vida, é um momento de serenidade, de pura felicidade e liberdade.  

 Frances McDormand nos dá uma atuação como só ela mesma poderia dar. Sua Fern é uma mulher auto suficiente, excêntrica, divertida, independente, solitária e totalmente fora dos padrões, o que te faz ter plena certeza de que ninguém no mundo poderia interpretá-la além da própria.  

 Fern entrou tão fundo no nomadismo que ela até mostra dificuldade em "socializar" com o outro mundo, o mundo patriarcal e capitalista em que sua irmã e a maioria dos outros vivem, como é mostrado na cena em que sua irmã é apresentada. Nessa cena também nos mostra como a sociedade tem dificuldade em aceitar qualquer estilo de vida que vá muito fora dos padrões. 

 Para a maioria Fern é uma sem teto, o que automaticamente vem com o discurso: "Pobre coitada! Não tem o conforto de um lar." seguido de um: "Mas você pode sair dessa se quiser, pode juntar dinheiro e se estabelecer." Sendo que a própria Fern não vê as coisas dessa maneira. Ela gosta desse estilo de vida, e mesmo que ela tenha sido obrigada a adotá-lo, isso não significa que ela queira mudar de vida, que ela queira ter uma rotina "normal" como a maioria. Ela precisou se adaptar a essa vida e se acostumou com ela, Fern claramente gosta do fato da estrada ser a única constante em sua vida.  

 Talvez a principal razão de Nomadland ter conquistado tanto o público seja pelo momento atual em que vivemos; com o isolamento social imposto pela pandemia do coronavírus, não é exagero dizer que nesse momento todos nós podemos compreender ao menos um pouco da sensação de exílio que o filme permeia.