sábado, 19 de setembro de 2020

Unpregnant - Porque precisamos de mais filmes Coming of Age escritos, dirigidos e protagonizados por mulheres.

  

  Se você assim como eu cresceu assistindo filmes da Sessão da Tarde então você provavelmente está familiarizado com filmes Coming of Age, caso você não esteja familiarizado com esse termo esses tipos de filme são sobre amadurecimento, filme que retratam a transição da adolescência para a vida adulta e todo o turbilhão de emoções e desafios que vem com essa fase. 

 O diretor e roteirista John Hughes, famosos por diversos filmes dos anos 80, é conhecido por fazer vários filmes do gênero como Curtindo a Vida Adoidado, Clube dos Cinco, A Garota de Rosa Shocking e Gatinhas & Gatões podemos também citar até alguns exemplos mais recentes" como As Patricinhas de Beverly Hills, O Diário da Princesa e Quatro Amigas e um Jeans Viajante. 



 Eu me lembro que quando assistia esses filmes eu ficava completamente encantada, achando que tudo na minha transição de adolescente pra vida adulta seria “fácil”. Essa é pra mim, a maior mentira que os filmes contam, a ilusão de que amadurecer é uma conquista fácil e sem esforço.  

 Cresci assistindo a filmes assim e provavelmente por isso tenho um certo apego por eles, porém conforme eu fui ficando mais velha comecei a me incomodar com alguma coisa a respeito deles, além da ilusão que os protagonistas transmitem no final deles de que toda sua vida foi aparentemente resolvida, o que mais me incomoda é o fato de que a maioria desses filmes transmitem a mensagem de que as mulheres precisam estar em um relacionamento, sendo mais especifica num relacionamento heteronormativo, para elas estarem com a vida totalmente bem resolvida.  

 Veja bem, eu não estou reclamando do fato das protagonistas estarem em um relacionamento com um homem, de fato a romântica incurável que mora no meu amago sempre amou o final de filmes onde o casal ficava junto no final, mas hoje a ideia de que a vida de uma mulher seja determinada pelo fato dela estar em um relacionamento amoroso me parece totalmente absurda.  

 Relacionamentos amorosos fazem parte da vida, e a adolescência talvez seja a fase onde mais temos desilusões e corações partidos, porém essa fase não pode ser resumida unicamente por isso. Essa também é a fase onde questionamos quem somos e quem queremos ser, onde deixamos de gostar de algumas coisas e começamos a gostar de outras, onde definimos o que nos agrada ou não, onde decidimos se nos rebelamos contra a sociedade patriarcal ou se seremos apenas mais um soldado padrão dela e para alguns talvez também seja a fase onde a sexualidade seja questionada. 



 Eis que uma nova onda do movimento Feminista surge, “bebendo das águas” do movimento MeToo somos presenteados com uma leva de novos filmes coming of age e somos presenteadas com filmes como Quase 18 (The Edge of Seventeen)O Mal Exemplo de Cameron PostLady Bird – A Hora de Voar e o filme que pra mim foi o suprassumo de todos esses Fora de Série (Booksmart). 

 Quando eu assisti Booksmart eu me lembro de pensar: “Finalmente! Uma comédia coming of age protagonizada por mulheres.”. Tido como uma versão feminista de Superbad - É HojeBooksmart conta a história de Amy (Kaitlyn Dever) e Molly (Beanie Feldstein) duas garotas nerds que estão vivenciando os momentos finais do colegial quando elas resolvem deixar um pouco de lado todos os anos focados no estudo em meio aos livros e se permitem ir a uma última festa da turma. 

 Lembro que uma das coisas que eu mais amei sobre esse filme era o fato de que Amy & Molly usarem a “carapaça "de Nerd como uma armadura, simplesmente não dando a mínima para o que seus colegas falavam sobre elas, e  apesar de eu não ter sido nenhuma nerd durante os tempos do colégiopreciso admitir que foi empoderador ver duas jovens mulheres “tacando o foda-se!” e não dando a mínima atenção para o que qualquer um dizia ou não sobre elas. Acho que isso se deve ao fato de que elas sempre souberam quem realmente eram, o que realmente queriam e estavam determinadas a não deixar que nada as atrapalhassem.  

 Outro fator que particularmente me emocionou sobre Booksmart, e que me emociona sempre que deparo com, é o simples fato dele ser roteirizado, produzido e dirigido por mulheres. Acho incrível que cada vez mais histórias de mulheres estejasendo escritas, se não por elas mesmaspor outras e não por homens. Vamos apenas dizer que homens e mulheres têm perspectivas totalmente diferentes de como é escrever uma história com uma protagonista, além disso ninguém melhor do que uma mulher pra escrever de forma precisa e imersiva uma história femininaRepresentatividade, importa e muito. 

 E como alguém que cresceu assistindo filmes onde os nomes das mulheres ainda eram a minoria nos créditos dos filmes, eu sempre fico feliz em ver como a mulherada virou o jogo e lutou pelo seu devido espaço no mundo que eu tanto amo que é o da sétima arte. 



 Seguindo o exemplo de Booksmart, a HBO Max lançou um novo filme com a mesma temática também protagonizado, dirigido e roteirizado por mulheres. Diferente de BooksmartUnpregnant é uma dramédia com um tema bem polêmico: o Aborto.


 Estrelado por Haley Lu Richardson (A Cinco Passos de VocêBarbie Ferreira (Euphoria) Unpregnant conta a história de Veronica (Richardson) uma típica adolescente de 17 anos classe média do Missouri que descobre que está grávida. Tal notícia coloca seus planos de ir para a universidade por água abaixo, por isso ela elabora um plano de ir até Albuquerque no Novo México para realizar um aborto sem que seja necessária a autorização de seus pais. (Já que no Missouri tal feito é impossível no caso de menores de idade). Assim ela arrasta Bailey (Ferreira), uma ex-amiga de infância (e a única que sabe de sua gravidez) para ir junto com ela para realizar o procedimento. 


 O filme me conquistou por tratar de uma forma leve sobre um tema que ainda é considerado um tabu, por normalizar uma coisa que é considerada horrenda por alguns. O roteiro do filme não tenta justificar a atitude de Veronica, ela simplesmente quer abortar por não querer ter um bebê, ele não diz se ela simplesmente não queria ter um filho no atual momento de sua vida ou se ela não queria ser mãe em momento algum, e tal fato não faz diferença alguma no decorrer do filme.  Ao não dar nenhuma justificativa para a atitude de Veronica o filme faz com que o público não julgue, ela simplesmente não quer ser mãe e tudo bem, ela tem total direito. Desde o início ela deixa muito claro que está determinada e que nada a fara mudar de opinião, e diversos acontecimentos ocorrem durante o caminho até Albuquerque que até tentam fazer com que ela mude de ideiaAcho que tal recurso faz com que o público não a questione, e sim a apoie incondicionalmente assim como Bailey 


 Eu gostei bastante em como eles fizeram a sequência da cena do Aborto em si, o modo como o procedimento foi tratado de forma cirúrgica e ao mesmo tempo delicada, tornou tudo mais realista.  Em uma determinada parte da cena Veronica está numa sala repleta de mulheres esperando serem chamadas para o procedimento e nessa simples cena Haley Lu Richardson conseguiu transmitir que a personagem finalmente estava em um ambiente de paz, onde não haveria julgamentos e acusações e sim irmandade e compreensão. A sequência do pós aborto onde ela está em outra sala repleta das mesmas mulheres sendo cuidadas por enfermeiras, uma coisa totalmente simples ocorre, mas que para mim foi um perfeito exemplo do real significado dSororidade. 

 Unpregnant é um muito mais do que só um filme Coming of Age, é também um Road Movie sobre amizade entre mulheres, sobre descobrir a si mesmo, sobre sair da “bolha de perfeição” que a sociedade impõesobre maternidade, paternidade e principalmente sobre não julgar a atitude do outro baseado nas suas experiências e vivências, sobre como você não precisa ser totalmente a favor do aborto, mas entender a importância que é ter o direito de tal escolha.