sábado, 12 de outubro de 2019

Coringa: O filme perturbador que todos deveriam assistir


Os minutos após eu ter assistido assistido Coringa foram provavelmente os mais frustantes, chocantes e estupefatos da minha semana. Eu só precisava de um tempo para digerir o que eu havia acabado de assistir.
Diante de toda a polêmica que sondou filme, eu me peguei pensando que tudo que eu falar sobre ele será ambivalente.
Quando li sobre todas as polêmicas envolvendo o grau de violência do filme e do fato disso ser usado como justificativa para atos de violência confesso que inicialmente eu pensei "a função do cinema não é educar. O cineastra não tem obrigação de discernir o certo do errado." afinal, isso é uma coisa que vem de berço certo? Entretanto, logo meus pensamentos acabaram me contradizendo, já que para mim o cinema sempre foi muito mais do que uma mera forma de arte, embora essa não seja sua principal função o cinema nos educa, nos molda assim como todas as experiências da vida. Ele sempre nós faz sentir algo, se você sair de uma sessão com nada além de indiferença, o filme não surtiu efeito ou sua qualidade é péssima.
Provavelmente seja por isso que assim que eu sai da sessão de Coringa eu logo pensei: "Esse é o filme perturbador que todo mundo precisa ver"


Cada vez mais obras sobre pessoas com transtornos mentais tem sido lançadas nos últimos tempos, obras essas que tem cutucado a ferida sem pudor algum, que tem nos mostrado como não só o sistema, mas também a sociedade falha com essas pessoas.
Vivemos em um mundo onde negligenciamos aqueles que são diferentes dos padrões impostos pela sociedade, onde só damos atenção devida quando atrocidades acontecem. Tratamos como monstros pessoas que precisavam de ajuda, afinal é bem mais fácil tratá-los dessa forma do que vê-los como consequência da nossa sociedade.
Quando seu mundo inteiro foi forjado em cima de dor e violência é difícil seguir outro caminho, caso não haja ajuda ou uma "luz" pra te guiar, seu ciclo de violência pode não ter fim. É assim que somos apresentados a Arthur Fleck, um homem com diversos problemas, um sonho com muita desejo de realizá-lo porém sem "sorte" e os meios para isso.
Nos primeiros três minutos de filme é difícil não sentir empatia pelo personagem de Phoenix, todo mundo já passou por uma má fase, um momento onde não importa o quão ruim as coisas estivessem você tinha certeza de que poderia piorar, e de fato piora. Até esse momento vemos um lado completamente humano de Arthur, é ai que temos um ponto de virada que nos diferencia. Se você estivesse sozinho, fosse agredido, tendo uma arma em mãos. Você revidaria ou não? Seria legítima defesa, certo? Você apenas se defendeu. Como diz a terceira lei de Newton "toda ação gera uma reação".
Essa é uma pergunta um tanto capciosa não? Se você é pacifista você talvez dirá que não revidaria, e se você é daqueles que acha que se sente mais protegido com uma arma provavelmente dirá que sim. É aí que eu te pergunto, e se no meio dessa história você acabasse perdendo o controle e matando tudo e todos que aparecessem no seu caminho.
Isso te tornaria um Louco Psicopata ou uma vítima da sociedade?
Apesar do filme de Todd Phillips ser uma obra original com inspiração em filmes do anos 70 e pequenas referências dos quadrinhos eu não pude evitar compará-lo um pouco com A Piada Mortal. Enquanto eu assistia todas as coisas ruins que levaram Arthur Fleck a se transformar no Coringa uma frase de A Piada Mortal ecoava em minha mente: "Basta um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático." Na Animação baseada na HQ de mesmo nome o Coringa afirma que o diferencia do Batman ou de qualquer homem comum é um dia ruim, um dia em que o interruptor que "liga" a sanidade se pende para a loucura.

Arthur Fleck era um homem comum como tantos outros, tinha seus problemas pessoais e mentais como tantos e tentava se encaixar em uma sociedade que fingia que ele não existia. A única coisa que o diferencia é o caminho que ele escolheu.
Veja bem, ao dizer tudo isso sobre Arthur eu não estou tentando encontrar uma justificativa para suas crueldades, até porque fazer isso seria como tentar justificar as atrocidades de Charles Mason, Ted Bundy, Aileen Wuornos, Adolf Hitler e muitos que cometeram crimes horrendos contra a humanidade. O que eu estou tentando dizer é que é preciso ouvir essas pessoas, é preciso tentar entendê-las antes que essas coisas horríveis aconteçam, antes que um dia ruim mude o interruptor.
Se existe alguma lição pode ser tirada de Coringa certamente é a que nós precisamos continuar falando sobre transtornos mentais, não importando qual seja a forma. Seja através da arte, de manifestos, de qualquer forma. O importante é fazer com que todas as vozes sejam ouvidas e termos empatia.

"Eu demonstrei que não existe diferença entre mim e todos os outros. Tudo que se precisa é de um dia ruim. É quão longe o mundo está de onde estou: apenas um dia ruim. Você teve um dia ruim certa vez, certo?
Ah, eu sei que estou. Posso ver. Você teve um dia ruim e tudo mudou. Se vestir como um rato voador não esconde, mas grita isso."
Alan Moore (Batman: A Piada Mortal)